quarta-feira, maio 31, 2006

Percurso na Herdade do Freixo

Junto ao monte do Freixo : "Cozinha do Freixo" 2006




Percurso







2 comentários:

atumnespereira disse...

"ARTE CONTEMPORÂNEA E MUNDO RURAL"

As complexas relações entre arte e Natureza, são também o reflexo do lugar que na Natureza é ocupado pelo homem. Para uma arreigada, tradicional e dominante corrente do pensamento artístico, arte não é Natureza, mas, justamente o contrário: A arte define-se por oposição a Natureza. Quanto ao lugar que o ser humano ocupa na Natureza temos duas correntes fundamentais: A primeira, reconhece a estreita interdependência do homem com todo o resto. A Natureza engloba tudo sendo uma totalidade vivente e unitária da qual o homem fáz parte. Natureza é então, um individuo que se diversifica em inumeráveis existências, todas elas abertas a nascer e a morrer; natureza é mundo físico, é substância plural que permanece mudando, é vida. E resulta tão absurdo excluir deste campo ontológico a técnica como ignorar que a operação recorrente da técnica - usar meios com vista à realização de fins -, é o fundamento de todo o organismo vivo, o ABC da natureza. Para esta corrente, quando alguém invoca uma heterogeneidade entre o natural e o técnico, ou não sabe bém o que diz, ou então expressa um credo monoteista clássico, cujo primeiro artigo de fé é a mútua repulsão entre expírito e matéria. Nesta corrente, a arte pode ser considerada Natureza na medida em que assume e prolonga os seus processos. Esta convicção, já deve ter animado Goethe, que definiu a obra de arte como "uma obra suprema da natureza executada pelo homem de acordo com as leis verdadeiras da natureza". Semelhante pensamento encontra-se também, por exemplo, nas secretas vinculações estruturais que encontrava Mondrian entre a natureza e a pintura, formuladas na sua Nova Plástica ou, noutro âmbito, na proposta de Dorfles de considerar também Natureza as criações humanas, ampliando as dimenções e manifestações da primeira. Quanto à segunda, ela assenta numa definitiva excisão entre Cultura e Natureza, devido à consideração dominante de Natureza como o que permanece como não tocado pelo ser humano. É fruto da ideia, que na tradição ocidental, sobretudo a partir da era cristã, se tem de Natureza e que se caracteriza, essencialmente, por não incluir o ser humano dentro desse conceito, situando-o num nível superior e assumindo o mandacto de dominar um meio que já não poderá ser divinizado mas, em todo o caso, respeitado como reflexo do Criador. Para esta corrente, Natureza é o que não foi tocado pelo homem. A Natureza, concidera-se, cada vez mais, como um bem físico a administrar seguindo os desígnios de Deus e o homem está chamado a completà-la a melhorà-la, adaptando-a às suas necessidades.

O mundo rural, tal como o mundo urbano o imagina, não existe e pode bem nunca ter existido. O que tem existido sempre é uma imagem do rural construida pelo urbano, e que este tenta a todo o custo que se mantenha. Ou seja, o que temos são vários olhares sobre o mundo rural - etnográficos, antropológicos, sociológicos, estatísticos, etc - e que constroem uma imagem sobre este. A imagem corresponde à realidade? A imagem é só isso, uma imagem. O mundo urbano ao longo dos tempos foi descrevendo o mundo rural ora como a reserva moral e cultural, ora como o culpado do atrazo civilizacional. O mundo rural, é comumente idealizado e comparado com a arcádia, onde todos são tios ou primos, toda a gente se dá bém e divide com o próximo quando este necessita, contudo, o mundo rural, tal como o mundo urbano, é um mundo cão.

Disse Rosalind Krauss, que a partir dos anos cinquenta a escultura se experimentava como negatividade da arquitectura e da paisagem: "Era aquilo que situado em cima ou defronte de um edifício, não era um edifício; ou aquilo que, inscrito numa paisagem não era uma paisagem(...) era a categoria resultante da não paisagem e da não arquitectura(...). Resulta então que, a não arquitectura não é mais do que outra forma de definir a paisagem e, a não paisagem é, obviamente, a arquitectura." E que, a partir dos anos 60, a produção dos escultores começou, gradativamente, a focalizar a sua atenção nos limites externos desses termos de exclusão. O campo ampliado, gerado pela problematização do conjunto de oposições faz surgir, logicamente, três categorias facilmente previstas - reduzir escultura aos termos neutros - não paisagem/não arquitectura - não fornece motivos para não imaginarmos o termo oposto (que tanto poderia ser paisagem como arquitectura) e que R.Krauss denominou de "complexo". Fazer esta operação é admitir no campo da escultura dois termos anteriormente vetados: paisagem e arquitectura. Era, portanto, necessário reconciderar a escultura dentro de um quadro histórico mais vasto, abordando a construção das suas genealogias com base em dados que já não remetem para decénios mas para milénios. Como vemos, escultura, na lógica expressa por R.Krauss é mais o termo mediano privilegiado entre as duas coisas que ela não é; a escultura é antes, só um termo na periferia de um campo que inclui outras possibilidades diferentemente estruturadas. Ganha-se assim "permissão" para pensar essas outras formas.

Em 1967, em Inglaterra, Richard Long realiza "A Iine Made By Walking" uma linha reta "esculpida" no terreno, pisando simplesmente a erva. O resultado desta acção é um signo que ficará somente registado em negativo fotográfico e que desaparecerá logo que a erva volte a crescer. Pela sua absoluta radicalidade e simplicidade formal, "A Line Made By Walking" foi considerada um episódio fundamental da arte contemporânea. Long, combina duas actividades aparentemente separadas: a escultura (a linha) e o andar (a acção). Esta obra produz uma sensação de infinito. É um comprido segmento que se detem nas àrvores que fecham o campo visual, mas que poderia continuar e percorrer todo o planeta. A imagem da erva pisada contém em si mesma a presença de uma ausência: a ausência da acção, a ausência do corpo, a ausência do objecto. Por outro lado, trata-se sem dúvida do resultado da acção de um corpo e de um objecto, algo situado a meio caminho entre a escultura, a performance e a arquitectura paisagista. As obras posteriores de Long constituem um prolongamento e um enriquecimento deste primeiro gesto, do qual não restará qualquer vestígio sobre o solo. O fundamento do trabalho de Long, é o andar, e o cenário onde estes se realizam é um espaço natural e sem tempo, uma paisagem eternamente primordial, onde a presença do artista constitui já por si um acto simbólico. Para Long, a Natureza, é uma Terra Mãe inviolável, pela qual é possível andar, desenhar figuras, mover pedras, mas não devemos, contudo, provocar-lhe alterações radicais. As suas intervenções, não incidem em profundidade na crosta terrestre, só transformam a sua superfície de um modo reversível. O meio utilizado é o seu próprio corpo, as suas possibilidades de movimento, o esforço dos seus braços e das suas pernas. A pedra mais grande que utiliza é a que pode deslocar com as suas própria forças e o percurso mais longo é o que o corpo pode suportar durante um determinado período de tempo. Usa o corpo como um instrumento para medir o espaço e o tempo. Mede, usando as potencialidades do corpo, as suas próprias percepções, assim como as variações dos agentes atmosféricos; utiliza o andar para registar as mudanças, da direcção do vento, das temperaturas, dos sons.

Em Portugal, Alberto Carneiro - a quem se deve o primeiro manifesto para uma Arte Ecológica (1968) - afirma: "A arte faz-se para transformar as imagens do quotidiano/.../A arte ecológica será o renascer duma alegria natural no encontro com a natureza renovada e já infinitamente próxima/.../A arte não está na presença física do bisonte da Altamira, mas sim na posse que ele significa/.../A arte ecológica será um regresso à origem das nossas próprias fontes/.../A natureza recriada à nossa imagem e semelhança: nós dentro dela e ela polarizadora dos nossos sentimentos estéticos/.../Uma nuvem, uma árvore, uma flor, um punhado de terra situam-se no mesmo plano estético em que nos movemos, são parte integrante do nosso mundo/.../Nós não afirmaremos que uma árvore é uma obra de arte. Nós apenas diremos que poderemos tomá-la e transformá-la em obra de arte".

Na sua origem, a Land Art, surgiu ligada à reflexão minimalista que pretendia romper com a função decorativista da escultura. Esta reflexão, levou à vontade de desmaterialização da arte criando um espírito "anti-objectual e anti-artístico" que inundou as buscas dos anos 60, 70. Como na Body Art, ou na Arte de Acção, o caracter efémero das intervenções da Land Art introduz o tempo real como coordenada plástica e abriu as portas à ideia de arte como acontecimento e experiência. Nalgumas propostas, subjaz uma mobilização contra a degradação, mediatização e esquecimento a que a natureza está votada. Manifesta-se, pelo menos inicialmente, uma crítica ao sistema económico que converte as obras de arte em objectos privilegiados para o intercâmbio mercantil e também se expressa numa fervorosa vontade de se reencontrar com o ritmo e o fluir das energias do universo, abrindo uma reflexão sobre as interdependências que ligam o homem com o mundo, assinalando a transcendência dos mais pequenos gestos sobre a pele do planeta. .

A Land Art, converteu o objecto escultórico numa construção do território por meio de uma expansão para a paisagem e para a arquitectura. Contudo, a recuperação, na arte da segunda metade do sec. XX, do interesse pelo território e dos arquétipos de Natureza não podia configurar-se como um regresso ao paisagismo como se nada tivesse ocorrido antes. Que mudanças encontramos neste retorno ao interior da paisagem? Os trabalhos de terra e as construções que assim resultam, procedem da esfera da arte e devem-se fundamentalmente a ela. Mas como signo cultural, prestam-se a outras aproximações distintas. Uma das ideias trazida pelos autores de "Lá construcción de la Naturaleza"- José Albelda e José Saborit - (pag. 90), é de que, os novos espaços conquistados supõem também um afastamento da densificação artística da cidade. As obras da Land Art não competem com nada, conquistaram uma vez mais a diferença a partir dos deslocamentos. 1º: da cidade como lugar saturado de cultura, ao deserto como território virgem para a arte. 2º: Da objectualidade doméstica da obra vendível e colecionavel à monumentalidade virtual de uma experiência essencialmente fotográfica. Tráta-se somente de uma reacção crítica ao institucional, uma rebelião frente ao mundo urbano das galerias e das estratégias mercantís? Há talvez algo mais inconsciente - como em toda a arte que reflete o espírito dos tempos - , que se inscreve na, ou culmina, a inércia do paradigma industrial: o domínio conceptual y absoluto sobre o território como Natureza. Encontramos obras de arte no fundo dos oceanos - Hutchinson - , nas montanhas mais escarpadas - Long - , nos desertos e também nas zonas geladas - Goldsworthy - . Os bosques não se encontram a salvo - Grizedale - . Tão pouco o céu - Sky Art - nem o interior da terra - Vertical Earth Kilometer, de W. de Maria -. Nenhum lugar é alheio à cultura, nenhum é remoto o suficiente ou inóspito para não atrair o último conquistador, o artista, que procura novos cenários, apropriando-se dessa "naturalidade" perdida que ajuda a legitimar e a dar vida à obra. Essas obras, transportariam consigo, "o desejo de finalizar, desde a arte, o processo de colonização do território. Desta perspectiva, as earthworks justificam uma intervenção cultural naqueles lugares onde não fazia sentido construir uma paisagem cultural: os desertos, lagos estéreis, lugares hermos... Colonização simbólica neste caso, que permite chegar e deixar marcas onde nenhum critério de rentabilidade económica o consentiria. A escolha de terras no àmbito da wilderness, versão americanizada da Natureza romántica e seus sentimentos, reflete, uma vez mais, a idéia de apropriação metafórica de tudo o que o território contém: O longínquo e inóspito, o inacessível e desabitado. E também o virginal". Natureza será então, para os autores da Land Art, antes de mais, território e materialidade. Com esta arte culmina toda uma tradição que partia dos monumentos da antiguidade erguidos para reafirmar a cultura dos povos que os criaram, até chegar a este último estádio da colonisação conceptual e física atravéz da arte do território como Natureza.

Em termos gerais, a naturalização do artifício artístico pode surgir quando este se concidera, desde perspectivas naturalistas, como uma manifestação dos processos e das leis da natureza (executada pelo ser humano) ou então, quando, desde perspectrivas materialistas, é tomado como o resultado de circunstâncias tão frágeis, aleatórias e casuais como as que determinam o surgimento de qualquer ser da Natureza. Se a arte se aproxima assim da Natureza, não a imitando, mas confundindo-se com ela nos seus processos, apresentando-se desde a sua "natural artificiosidade" como uma das suas formas, ela mesmo se pode aproximar também à vida, tentando confundir-se com ela, e podendo ser praticada por qualquer um(Beuys), sem necessidade de preparação ou destreza específica. A maioria destas utópicas propostas, acabaram irremissivelmente no território da Arte institucional, a qual, pelo simples facto de ser tal coisa, imersa nos mecanismos legitimizadores da cultura e do mercado, dificilmente se pode confundir com forma alguma de Natureza (salvo a mediática).

Dizer, tal como Tápies, que "pretendo dar uma concepção global do mundo..." e que "continuo a desejar fabricar objectos mágicos, carregados de energias que se transmitem ao público e gostaria que contagiassem o público que os visse e tocasse". Ou que, como Ana Mendieta, penso que a arte "se basa en la creencia en una energia universal que corre através de todas las cosas: del insecto al ombre, del ombre al espectro, del espectro a las plantas, de las plantas a la galaxia." E que, como ela, procuro estabelecer "laços emocionais com a natureza para restabelecer a unidade com o universo" - Sendo que a natureza, não é só a nossa herança biológica mas também o nosso lugar original ao qual devemos retornar - o que implica uma tomada de consciência da nossa pertença comum. Ou que a reflexão contemporânea sobre a incorporação do corpo nas práticas artísticas, ou a investigação dos seus limites, longe de estar esgotada está em processo de ampliação. É, talvés, afirmar que grande parte dos meus trabalhos, está contaminado por um espírito "primitivista" - primitivo no sentido de primeiro - e que não procurei nas tribos primitivas esta dimensão mágica, mas dentro da minha tradição rural. Que o primitivo, pode estar aqui mesmo ao lado sem a necessidade do exótico. Foi assim que surgiu a Máscara de Fernando Pessoa, os "Objectos de Poder", as quatro construções em linha reta na Serra da Estrela, ou mesmo as minhas últimas instalações vídeo. Todas estas obras estão imbuidas do sentido da procura das coisas primordiais e da noção da dimensão mágica que a arte pode ter. Tenho-me dedicado a explorar a cultura rural de que me julgo herdeiro e devedor. Nesta, tem-me interessado compreender as relações que as comunidades estabelecem com o território, com as plantas e com os animais, assim como o quanto de universal existe na condição humana de cada ser. As práticas agrícolas, tão importantes para a paisagem que resulta da interacção entre os seres humanos e o território, têm sido aprendidas, compreedidas e utilizadas na minha prática artística. Os próprios intrumentos usados, que tenho recolhido e guardado, são eles mesmos objectos interessantes não só pela relação que estabelecem com o corpo, com a terra e as plantas, mas também pelas possibilidades semânticas que nos emprestam. Na aproximação aos complexos mito-simbólicos da minha cultura (a minha cultura camponesa de origem),estes são ressemantizados na contemporâneidade. Pretendo que resultem em como que, desprendimentos de um pensamento mitológico vivo, posto em função do desenvolvimento de uma reflexão metafórico-filosófica acerca do Homem, da vida, da natureza e da sociedade, unida com princípios que plasmem uma visão do mundo. Ultrapassar o meramente individual e relacionar as carências individuais com o descontentamento implícito na condição humana. Tal como Gormley "vejo o artista como um trabalhador com um trabalho especial a desenvolver. Especialmente propondo problemas a serem explorados". Um desses "problemas", que me tem ocupado muito ultimamente, é o "problema " do território. E digo território, exactamente por querer diferenciar este do tema da paisagem ou até desse albergue espanhol que é a palavra natureza. O discurso que eu elaboro, situo-o dentro da disciplina da escultura com tudo o que esta palavra também transporta e proponho uma nova expansão de campo. Assim, nem arte como imitação da Natureza, nem arte como Natureza, nem Natureza, enquanto não se aceite - coisa improvável - o artifício como única Natureza. Quando tal suceder, teremos expandido ainda mais o campo e teremos que descobrir todo um léxico novo para nomear essa nova realidade.





Bibliografia:
GALOTARO, Luca - Artscapes, El arte como aproximación al paisaje contemporáneo
Editorial Gustavo Gili, Sa. Barcelona, 2003
CARERI, Francesco - Walkscapes, El andar como práctica estética
Editorial Gustavo Gili, Sa. Barcelona 2003
KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la vanguardia y otros mitos modernos
Aliança Editorial, Sa. Madrid, 1996
KRAUSS, Rosalind - Caminhos da Escultura Moderna
Martins Fontes Editora lda, São Paulo 1998
Catàlogos:
Ana Mendieta - Centro Galego de Arte Contemporánea, 1996
Antony Gormley -Centro Galego de Arte Contemporánea, 2002

Asno disse...
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